“Roubo a shopping cai por causa de vigilante armado, afirma entidade
O investimento em segurança, principalmente com profissionais armados, fez com que os roubos a shoppings diminuíssem neste ano, na avaliação da Alshop (Associação Brasileira de Lojistas de Shoppings).
De acordo com a entidade, em 2009, houve 97 roubos a lojas de shoppings no país. No primeiro semestre deste ano, foram 22 casos.
A solução de 17 dos 22 casos, com prisão de mais de 30 suspeitos pela polícia, também ajudou a diminuir os roubos, afirma a associação”
Vamos pensar a respeito do que a Associação está dizendo. A primeira declaração é de que os roubos caíram porque os vigilantes andam armados. Em 2009 havia menos vigilantes armados e em 2011 há mais vigilantes armados. Mas existe um erro fundamental aqui. É o que em filosofia é chamado de raciocínio indutivo.
A lógica indutiva é aquela em que se parte de alguns exemplos para se formular uma teoria. Por exemplo, se eu nunca vejo um avião caindo, eu concluo que avião não cai. Se um ataque terrorista nunca aconteceu contra as torres gêmeas, eu concluo que é impossível haver um ataque terrorista contra as torres gêmeas. Você faz uma teoria baseada em algumas observações.
Já a lógica dedutiva é o contrário: você deduz que uma consequência existirá baseada na verificação de algumas premissas. Por exemplo, se eu sei que todas as pessoas são mortais, e que você é uma pessoa, eu deduzo que você é mortal. Na lógica dedutiva eu não parto de exemplos, mas de premissas (de verdades incontestáveis ou comprovadas). Se as premissas são verdadeiras (‘você é uma pessoa’ e ‘todas as pessoas são mortais’), a conclusão também precisa ser verdadeira (‘você é mortal’). Por outro lado, se a premissa é falsa (se o que eu achava que era verdadeiro é falso), a conclusão pode ser falsa ou não. Por exemplo, se eu digo que ‘todo ser humano tem dois olhos e que você é um ser humano, logo você tem dois olhos’, eu parti de uma premissa que não é verdadeira (nem todo ser humano tem dois olhos), e por isso a conclusão pode ser ou não verdadeira (você pode ter ou não dois olhos), e isso será ditado pelo acaso. O que faz uma lógica indutiva funcionar são suas premissas. É por isso que os cientistas perdem tanto tempo testando coisas que todos mundo ‘já sabe’ que é verdadeiro. Na verdade nós não sabemos, nós achamos. Os cientistas precisam testar para terem certeza que a premissa é verdadeira. Mais um exemplo de lógica dedutiva com uma premissa falsa: aviões não caem, e eu estou em um avião, logo meu avião não vai cair. Se a premissa é falsa (avião não cai), a conclusão pode ser falsa (o avião pode cair) ou não (o avião pode não cair).
Pois bem, vamos voltar à lógica indutiva da matéria acima: a Associação observou que em 2009 os seguranças portavam menos armas e em 2011 mais armas e que houve redução de roubos nesse período, logo foi uma coisa que levou à outra. Ela concluiu que as duas coisas não só estão ligadas (o que já é um erro em si), mas, pior, que uma coisa levou à outra.
Por exemplo, uma explicação alternativa está na segunda metade da própria matéria: há menos criminosos cometendo crimes porque quem estava cometendo os crimes agora está preso. Alguns outros exemplos de explicações possíveis: os criminosos descobriram que é mais fácil explodir um caixa eletrônico ou roubar um restaurante e por isso decidiram mudar de alvo; os criminosos morreram de ataque cardíaco ou algum programa de salvação de suas almas os converteram em policiais que combatem o crime; outros estados abriram shoppings e os criminosos que antes iam a São Paulo para cometerem roubos agora podem cometer roubos em seus próprios estados; os shoppings estão guardando menos dinheiro nas lojas e por isso o crime tornou-se menos atraente; a justiça está condenando os presos a penas maiores e por isso os ladrões estão repensando se vale a pena roubar shopping; etc.
Algumas explicações podem até estar ligadas aos próprios seguranças, mas não às suas armas. Por exemplo, o número de seguranças pode ter aumentado, os shoppings instalaram mais câmeras de segurança, ou as empresas de segurança estão sendo mais severas na seleção e contratação de seus seguranças e, por causa disso, bandidos que antes se infiltravam para ajudarem na preparação dos roubos agora não conseguem emprego nessas empresas e por isso ficou mais difícil cometer esses crimes.
E algumas explicações possíveis sequer estão relacionadas aos shoppings e seus guardas. Por exemplo, a criminalidade na cidade pode ter caído como um todo, ou o nível de emprego e renda aumentaram e pessoas que antes roubavam agora trabalham, ou o país está passando por uma terrível crise e as pessoas pararam de consumir e por isso já não vale a pena roubar shopping, ou a última novela na TV está fazendo com que as pessoas deixem de comprar em shoppings e passem a frequentar lojas de bairro e feiras a céu aberto.
Enfim, há milhares de explicações possíveis. Achar que o armamento levou à redução de roubos é perigoso porque estamos afirmando que o que é apenas uma hipótese é a verdadeira causa. Foi mais ou menos por isso que milhares de mulheres foram queimadas durante a idade média pela inquisição simplesmente por estarem menstruadas. Descobria-se que a mulher que morava em uma casa estava menstruada no dia em que aquela casa pegou fogo ou alguma outra tragédia aconteceu naquela casa ou vila. E nenhuma tragédia aconteceu no dia em que ela não estava menstruada. Logo, a menstruação é que causava a tragédia. Como eliminar a possibilidade de tragédia? Matando quem ficava menstruada, afinal era ‘evidente’ que a menstruação era a causa das tragédias. Outro exemplo do mesmo período era colocar o acusado de um crime dentro de um saco e atirar o saco no rio: se ele fosse inocente deus o faria flutuar e sobreviver. Se ele não flutuou é porque ele era culpado e deus resolveu puni-lo.
Um último exemplo: você está com febre e sua mãe te dá um ‘chazinho’, faz uma sopa que aprendeu com a vizinha, te leva para ser benzido, faz uma ‘reza brava’ ou alguma outra solução caseira. Você melhora. Ela acha que todas as vezes que você apresentar os mesmos sintomas basta a mesma sopa, o mesmo chá ou a mesma benza. Da próxima vez que você tem uma febre ela te dá o mesmo chazinho. Mas dessa vez você morre. Você morreu porque a causa da primeira febre era uma gripe comum mas, na segunda, a febre era o sintoma de alguma doença fulminante. O chazinho não foi a causa de sua primeira recuperação: você se recuperou porque o ciclo viral havia chegado ao seu fim. O chazinho e a recuperação estão relacionados (aconteceram no mesmo momento), mas não há uma relação causal entre eles (um não é a causa do outro). E foi justamente isso que pode ter ocorrido na matéria acima.
A única forma de saber se as armas de fato contribuíram para a diminuição dos roubos é fazer um estudo comparativo no qual pega-se vários shoppings muito parecidos (número e tipos de lojas, faturamento, arquitetura, acesso, horas de funcionamento, localização, empresa de segurança e número de seguranças, etc) e com o mesmo número de roubos por ano. Em alguns deles a administração arma seus vigilantes e nos outros, não. Depois de alguns anos compara-se as variações no número de roubos entre eles. Melhor ainda seria armar os shoppings do primeiro grupo em momentos diferentes. Se um é a causa do outro, os shoppings recém-armados se tornariam mais seguros do que os ainda não armados, independente de quando seu armamento aconteceu.